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quarta-feira, 13 de junho de 2012

Isso não está na bula!

A utilização da sildenafila no tratamento da impotência sexual gerou uma verdadeira revolução no mercado farmacêutico no fim da década de 1990. O que nem todo mundo sabe, porém, é que, originalmente, essa droga era indicada apenas para hipertensão arterial pulmonar e outros problemas cardíacos. É o que constava da bula. Fora disso, tratava-se de uma aplicação off label, ou seja, não aprovada oficialmente. Com o tempo, o uso da sildenafila para impotência sexual não apenas tornou-se label, como virou a aplicação mais popular e conhecida desse ...Continue lendo...
medicamento, hoje disponível sob diferentes nomes comerciais e também como medicamento genérico
Esse é apenas um exemplo. Mas o fato é que os médicos podem, sim, prescrever remédios para tratamentos não indicados na bula. Por que isso acontece? De um lado, porque a medicina avança em ritmo veloz, e os médicos, apoiados em evidências científicas, podem recorrer ao uso off label para tratar seus pacientes, em geral quando não há resposta satisfatória com as medicações convencionais. De outro lado, porque antes de oficializar a indicação de uma droga para determinada doença, os órgãos regulatórios (no Brasil, a Anvisa) precisam avaliar com cuidado os estudos, analisando efeitos adversos, riscos e reais benefícios com foco na segurança dos pacientes em geral e não em casos específicos. Estes, só o médico pode avaliar.
O uso off label não deve ser generalizado, mas em algumas situações pode ser a melhor – ou a única – alternativa para o paciente. “Geralmente são situações que apresentam evidências científicas para tal uso. Mas é importante que se destaque que estas utilizações devem ocorrer nos casos em que se esgotaram as alternativas de tratamento com as medicações convencionais”, afirma o Dr. Nelson Hamerschlak, hematologista do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). “Os médicos devem usar medicamentos off label em caráter de exceção, sempre com decisão compartilhada com o paciente, com documentação adequada, consentimento informado livre e esclarecido e, de preferência, com anuência de algum comitê científico, médico ou de ética da instituição. O off label não deve der adotado como panaceia e, sim, em casos onde possa de fato ajudar o paciente”, completa.
Como exemplo, ele cita o rituximabe, um remédio aprovado para tratamento de linfomas, leucemia linfocítica crônica e artrite reumatóide. Como off label, ele vem se mostrando eficaz em alguns casos de púrpura imunológica, doença que diminui as plaquetas no sangue, podendo causar hemorragias. “A literatura médica mostra que 2/3 dos pacientes que não respondem aos corticóides se beneficiam desse medicamento, com poucos efeitos adversos. Mas o paciente deve sempre ser informado dos riscos, benefícios e alternativas”, destaca o Dr. Nelson Hamerschlak.



As fronteiras do label e do off label

As utilizações label de um medicamento nem sempre são universais. O fato de uma droga ter sido aprovada, por exemplo, pelo FDA (Food and Drugs Administration), o órgão norte-americano de controle de medicamentos e alimentos, não significa que esteja liberada no Brasil. Aqui, o que vale é a regulamentação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). De qualquer forma, a aprovação de um remédio fora do Brasil por órgãos como o FDA, tido como uma referência mundial, pode ajudar no processo de regulamentação no País.
Mas o oposto também acontece. O Dr. Cláudio Schvartsman, pediatra do HIAE, lembra que o medicamento de eleição para o tratamento de asma, o salbutamol, foi proibido durante anos nos Estados Unidos, mas era liberado no Brasil e na Europa.
Outra fronteira que separa o label do off label é a faixa etária. Há muitos casos de drogas aprovadas apenas para adultos. Isso não significa necessariamente que sejam prejudiciais na infância; apenas que não foram feitos estudos suficientes para oficializar o uso em crianças. Contexto semelhante se verifica em relação às gestantes.
“As pesquisas com crianças são difíceis e caras. Muitas vezes, o remédio é excelente, mas não está liberado para uso pediátrico simplesmente porque não há estudos suficientes para sua regulamentação. Em relação a recém-nascidos e prematuros, eles são ainda mais escassos. Tudo isso faz com que a pediatria seja, possivelmente, a campeã de uso off label, mas sempre com respaldo das evidências científicas e do próprio uso label em adultos”, afirma o Dr. Cláudio Schvartsman. Ele observa que a própria legislação reconhece que o médico tem autonomia para prescrever um off label, desde que não esteja sendo negligente, imperito ou imprudente.
Um exemplo dessa prática em benefício dos pacientes mirins ocorreu à época da epidemia da gripe suína (vírus H1N1) com o oseltamivir, medicamento que não tinha o uso liberado para menores de um ano. Quando a doença se espalhou, os pediatras seguiram o caminho off label, administrando-o inclusive em recém-nascidos. Hoje o oseltamivir é indicado em bula para todas as idades.
Outro exemplo é o imatinibe, remédio para leucemia mielóide crônica que até pouco tempo era indicado apenas para adultos. “Existiam situações em que seu uso em crianças era quase que obrigatório. Nesses casos, com todo o respaldo da literatura médica, o imatinibe era adotado de maneira off label. Hoje, isso está regularizado”, conta o Dr. Nelson Hamerschlak.
Vale lembrar também que há vários casos de medicamentos que eram aprovados oficialmente pelos órgãos reguladores (label, portanto) e que acabaram retirados do mercado depois que novos estudos indicaram sérios riscos e efeitos adversos até então desconhecidos.
A responsabilidade do médico em prescrever um medicamento off label não é diferente de quando ele indica um remédio com aplicação aprovada em bula. “Depende sempre de um diagnóstico correto, de uma avaliação correta, da dose acertada. Caso contrário, qualquer remédio oferece riscos”, observa o Dr. Cláudio Schvartsman.
O fato é que, seja medicamento label ou off label, é o médico quem tem os conhecimentos para saber aquilo que é melhor para o paciente. O que é sempre contraindicado, independentemente do que esteja na bula, é a automedicação.

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